“Isso
é lógico!”, “É lógico que...” pequenas frases como essas circulam constantemente
dentro do colóquio popular diário. Mas o que é lógico? Ou melhor, o que é a
lógica? Defini-la, no entanto, não é uma tarefa tão simples. E, ao longo do
tempo, inúmeros estudiosos do tema têm buscado prover uma boa definição que
responda precisamente essa questão.
Alguns,
por exemplo, buscaram entende-la através de sua etimologia. O termo “lógica”
veio da palavra grega logikē, significando uma área da filosofia que
estuda o logos (“palavra”, “fala”, “discurso”), ou seja, “aquilo que é falado”,
porém vindo a adquirir os conceitos de “pensamento” ou “razão” (HEIDEGGER, 2010;
SELLARS, 2014). No entanto, essas definições não são suficientes para nos
ajudar a entender o significado mais especializado de “lógica” como área
filosófica.
Descrições
como “lógica é lógica” (HOLMES apud SINGH, 2006, p. 193) ou que “a lógica não é
nem uma ciência nem uma arte, mas uma evasiva” (JOWETT apud ibid.) não possuem
profundidade e não dizem quase nada. A filósofa americana Susanne Langer, por
exemplo, conceitua lógica como “a ciência da ordem par excellence” (1967,
p. 40), uma definição muito generalizada que agrega pouco para o que realmente podemos
entender sobre lógica.
Obviamente,
outros pensadores conceituam o que é lógica de forma mais apropriada, fornecendo-nos
uma ideia mais consistente do assunto. Assim, Gensler entende lógica como “a
análise e avaliação dos argumentos” (2010, p. 1). Frege declara que “descobrir
verdades é a tarefa de todas as ciências; cabe à lógica discernir as leis da verdade.
Eu atribuo à lógica a tarefa de descobrir as leis da verdade, não de afirmação
ou pensamento” (1956, p. 289). E Copi, na sua conhecida obra de introdução à
lógica, discorre que “a distinção entre o raciocínio correto e incorreto é o
problema central que incumbe à lógica tratar” (1978, p. 21).
A
lógica, no entanto, não possui nenhum conteúdo baseado no mundo real, não é uma
ciência empírica como a física, a biologia, a química etc., mas semelhante à
matemática (HARDEGREE, 1999). Seu principal objetivo é estabelecer as leis do
pensamento humano. Portanto, a lógica é responsável pelo estudo das formas de
raciocínio e sua validade, distinguindo-o como verdadeiro ou falso.
A Lógica
na Filosofia
Uma
vez que a lógica lida com o pensamento correto e nenhuma ciência se estabelece
sem um raciocínio válido, a lógica ocupa um papel central dentro da filosofia. Semelhante
à sistematização aristotélica, podemos dividir o campo do conhecimento filosófico
em três grandes áreas (HEIDDEGER, 2010):
1)
A filosofia teórica, que analisa as questões gerais acerca da estrutura
e da realidade e o conhecimento humano (metafísica, ciência natural, teologia).
2) A filosofia
teórica, que lida com as relações entre pensamento, a ação humana e seus
efeitos (ética, estética, política).
3)
Por fim, a lógica, que, em si, podemos não denomina-la de ciência, mas sim
um instrumento para ela. Pois é a lógica quem provê os métodos usados para se
produzir o conhecimento nas demais áreas. Visto que ela estuda as leis gerais
do pensamento verdadeiro, a lógica é a base para o saber filosófico.
As
Divisões da Lógica
A
lógica pode ser subdivida em duas partes: material e formal. A lógica
material é um ramo da lógica responsável por analisar o conteúdo das premissas
de um argumento. Ou seja, estabelece a conexão entre o conteúdo do pensamento e
a realidade a fim de se chegar a uma conclusão verdadeira (ARANHA, 1993). A lógica
formal, por conseguinte, tem a ver com a estrutura do argumento. É também
chamada de lógica matemática ou pura, pois “valida os raciocínios mediante
estruturas criadas por regras próprias” (BARBOSA, 2017, p. 21). Por isso deve
ser estudada primeiro, porque estuda os sistemas que formam um argumento,
através de símbolos próprios usados para representar com exatidão categorias
definidas do raciocínio. Enfim, ela determina a forma correta de pensar e tirar
conclusões. Resumindo, em um argumento, a lógica material lida como o “o que”,
enquanto que a formal com o “como”.
A
fim de exemplificar melhor, o raciocínio pode ser válido estruturalmente, mas
falso em conteúdo. Veja o exemplo no silogismo abaixo:
Para a lógica formal este argumento é valido, pois sua conclusão
pode ser tirada de suas premissas, contudo, da perspectiva da lógica material é
óbvio que o argumento é falso, já que a conclusão não é verdadeira no mundo
real.
Em suma, a lógica formal, como o nome sugere, lida com a
forma do argumento, a qual é representada por símbolos estabelecidos, enquanto
que a material lida com o conteúdo deste. Assim, podemos, por exemplo, ter uma mesma
forma de raciocínio, mas com conteúdo diferente.
O Processo
Lógico
Podemos segmentar a construção de um
raciocínio por meio de etapas que, inata e imperceptivelmente, são percorridas
no transcurso de qualquer pensamento usado para fundamentar uma ideia, crença
ou valor. Na lógica formal, há três tipos de processos lógicos. Dos quais cada
um se origina de um ato mental e, desse ato, é manifestado através de uma
expressão verbal (COTHRAN, 2000). Tomemos como exemplo o seguinte raciocínio:
Primeiro
Processo Lógico: apreensão simples – termo
O primeiro ato mental é
chamado de apreensão simples, cuja expressão verbal para isso cunhamos
de termo. Assim, “uma apreensão simples ocorre quando primeiro formamos
em nossa mente um conceito de algo” (Ibid.). Ao definir em palavras um nome para
esse conceito, temos, assim, um termo. Portanto, essa etapa não tem a ver ainda
com afirmar ou negar algo, mas simplesmente com o processo de capturar com a
mente alguma coisa e, por conseguinte, verbaliza-la por uma expressão linguística.
Se, por exemplo, observamos em um
campo um animal grande, peludo, com chifres, que se alimenta de pasto, de
coloração malhada em preto e branco, estamos exercendo o processo mental de
apreensão simples. Quando, em seguida, empregamos uma palavra (escrita ou
falada) para definir esse objeto da realidade, utilizaremos um termo, neste
caso, “vaca”.
No exemplo de argumento usado acima,
temos três termos representando três apreensões simples: “homem”, “mortal” e “Sócrates”.
Cada um reflete um conceito da realidade que descrevemos através desses termos,
ou seja, palavras especificas formuladas dentro de nosso idioma para comunicar
o que percebemos mentalmente.
Segundo
Processo Lógico: julgamento – proposição
O segundo ato mental no processo
lógico é o julgamento, cuja expressão verbal é a proposição (COTHRAN,
2000). Como seres racionais, temos plena capacidade de distinguir o certo do
errado, o verdadeiro do falso, bem como contatar fatos e/ou fenômenos que
perfazem a realidade que nos cerca. A essa capacidade mental de afirmar ou
negar as coisas, chamamos de julgamento. Esse julgamento pode ser uma
constatação da realidade (ex.: a vaca está pastando) ou de valor/opinião (ex.: a
vaca é mansa/grande). Enquanto que a declaração verbal frásica, desse
processo mental, denominamos proposição. A proposição pode ser também subdividida
em dois elementos: premissa e conclusão.
Se observamos que a vaca está se
alimentando com pasto, estamos emitindo um juízo de fato, que é expresso por
meio de uma declaração como “a vaca está pastando”; e se consideramos que esse
animal possui mais quantidade material corpórea do que outro da mesma espécie
ou em comparação a qualquer outra coisa menor, podemos expressar a proposição
“a vaca é grande”.
Assim, no exemplo clássico de
Sócrates possuímos três declarações, ou seja, três proposições resultantes,
obviamente, de três constatações mentais de julgamento, sendo que as duas
primeiras – “todos os homens são mortais” e “Sócrates é homem”, servem de
fundamento para a construção da proposição final: “Sócrates é mortal”.
Terceiro
Processo Lógico: inferência dedutiva – silogismo
O último ato mental dentro
de um processo lógico é a inferência dedutiva e a expressão verbal decorrente
dela é o que chamamos de silogismo.
Uma
inferência dedutiva ocorre quando fazemos as conexões lógicas em nossa mente
entre os termos do argumento de uma maneira que nos mostra que a conclusão
segue ou não segue das premissas. Quando verbalmente expressamos isso em um
argumento, colocamos essa inferência dedutiva na forma de um silogismo
(COTHRAN, 2000, p. 4).
Assim, se considerarmos que a vaca
está pastando e quando pastam ruminam, então, a inferência dedutiva é que esta
vaca que observamos também ruminará. E ao colocar esse raciocínio em palavras estamos
formulando um silogismo.
O exemplo sobre Sócrates é, em si,
um silogismo. No qual as duas proposições iniciais verdadeiras, ou conjunto de
juízos, sustentam a proposição final, permitindo deduzi-la como também
verdadeira (CHAUÍ, 2000).
Ato Mental
|
Expressão Verbal
|
|
Apreensão simples
|
→
|
Termo
|
Julgamento
|
→
|
Proposição
|
Inferência dedutiva
|
→
|
Silogismo
|
Obviamente que, na maioria das
vezes, emitimos ideias ou declarações, sobre as quais validamos nossas crenças,
valores e atitudes, com base nesse procedimento. Embora, não necessariamente
reflitamos na forma e estrutura que o compõe. Simplesmente supomos uma ideia x
– a proposição final –, mas que essencialmente foi construída por esse processo
lógico aqui representado.
A
Argumentação e Seus Componentes
Podemos pensar no
processo de raciocínio como a construção de uma ideia, que passou por um
processo tendo começo e fim. Sendo que esse começo é, na verdade, constituído
por informações, que tanto justificam quanto produzem (inferem) a informação
contida em tal ideia – o fim. Um exemplo disso é a ideia: “Sócrates é mortal”.
Essa declaração afirmativa, como qualquer outra, é sempre o resultado explícito
de um processo racional, muitas vezes, implícito. Esse processo implícito e que
dá forma e embasa determinado pensamento ou ideia é conhecido como argumentação.
Argumento
Em
lógica, argumento é uma série de declarações afirmativas de juízo colocadas de
forma associativa, que possuem a finalidade de dar razões para outra declaração
(SINNOT-ARMSTRONG, 2015). Servindo, assim, para afirmar ou negar um fato
(BARBOSA, 2017). Um argumento é formado por alguns componentes, cuja parte
central são as declarações de juízo conhecidas por proposição. A ideia
de que “Sócrates é mortal”, por exemplo, surge das informações de que “todos os
homens são mortais” e “Sócrates é homem”. Posto de forma silogística, temos:
Em
um argumento como esse, as três declarações que o compõem são as proposições,
sendo que as duas primeiras são chamadas premissas e a última, derivada
delas – a proposição final – recebe o nome de conclusão. Qualquer
argumento precisa conter no mínimo duas premissas e no máximo uma conclusão.
Premissa
e Conclusão
Premissa, então, é um nome
específico dado a cada uma das proposições que compõem um argumento, que
antecedem a conclusão e servem para apoiar outra premissa, em que juntas
proveem razão para sustentar a proposição final, ou seja, a conclusão. Portanto,
a conclusão, por sua vez, é a última proposição de um argumento, que indica
aquilo que o argumento procura provar.
Portanto, dizemos que algo é verdadeiro,
porque é embasado nisso e naquilo. Podendo, é claro, ser refutado ou endossado.
Argumento
Conclusão
Vimos que a lógica
pode ser definida como a arte de analisar e avaliar
os argumentos em um raciocínio e esse, por ser a base para qualquer ideia, torna
a lógica o fundamento para toda filosofia.
Em seguida, consideramos que lógica
é dividida em formal e material – áreas que analisam tanto o conteúdo quanto a
estrutura formal do argumento. O processo lógico de formação do raciocínio é
realizado a partir de um ato mental que produz uma expressão verbal envolvendo
três etapas. A argumentação é fundamentada por informações, ou premissas, que
compõe e suportam um argumento, podendo esse ser verdadeiro ou refutável.
O objetivo desse ensaio foi o de
analisar alguns conceitos fundamentais sobre lógica. Obviamente que há muito
mais a ser visto do que o exposto aqui. Mas um estudo elementar como esse não apenas
propicia informações pertinentes como também aguça o interesse pelo estudo
desse tema.
Essa
pequena análise sobre o que é a lógica, proporcionou-nos perceber que a lógica
ou o lógico vai muito além do que meros vocábulos cotidianos. Mas o conhecimento
sobre lógica para entendermos o processo de desenvolvimento do raciocínio e a
construção de ideias pode ser altamente relevante. A fim de analisar uma ideia
e defini-la como verdadeira ou falsa, a compreensão do processo mental que a produziu
é fundamental, para que possamos chegar ao conhecimento daquilo que mais essencialmente
buscamos desde os primórdios de nossa existência: a verdade.
Referências:
COPI, Irving M. Introdução à Lógica. 2ª
ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
COTHRAN, Martin. Traditional
Logic: introduction to formal logic (Book I). Louisville, KY: Memoria Press, 2000.
FREGE, Gottlob. “The thought: a logical inquiry” in Mind.
Oxford, UK: Oxford University Press. Vol. 65, No. 259 (Jul., 1956), pp. 289-311.
GENSLER, Harry J. Introduction to Logic. 2ª ed.
New York, NY: Routledge, 2010.
HARDEGREE, Gray M. Symbolic Logic: a first course.
3ª ed. New York, NY: McGraw-Hill College, 1999.
HEIDEGGER, Martin. Logic: the
question of truth. Bloomington, IN: Indiana
University Press, 2010.
SELLARS, John. Stoicism. New York, NY: Routledge, 2014.
SINGH, M. P. Quote
Unquote: a handbook of famous quotations. Darya Ganj, Nova Deli: Lotus Press, 2006.






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