ONTOLOGIA DO TEMPO: breve análise do estado da arte



A consciência do tempo é, sem dúvida, uma das características mais distintivas do intelecto humano e que, portanto, claramente nos diferencia dos animais. É por isso que a reflexão sobre a natureza do tempo tem sido objeto de consideração de inúmeros pensadores no curso da história.
Mas afinal o que é o tempo? Essa é a grande questão que tem perturbado a mente de filósofos, teólogos e cientistas por toda a história e ainda hoje. Mesmo o mais simples idioma humano observa-se algum conceito de temporalidade na construção gramatical, demonstrando a presença da consciência de tempo em todas as faces da cultura e história humana. Mas o fato é que apesar de 2.500 anos de investigação sobre a natureza do tempo, há ainda muitas questões sem respostas. Conforme bem colocou Agostinho: “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.” (1980, p. 265).
Neste breve artigo, em busca do estado da arte desse tema, pretendo apresentar os principais conceitos sobre a teoria filosófica do tempo, os quais influenciaram e/ou contribuíram, desde a antiguidade até hoje, para a atual concepção da natureza do tempo dentro do pensamento ocidental.

TEMPO NA FILOSOFIA ANTIGA
Partindo da Grécia antiga, Platão brevemente discursou sobre o assunto, mas analisando-se algumas considerações no Timeu, percebe-se que ele entendeu que o tempo estaria relacionado a eventos físicos regulares, como o movimento dos corpos celestes, que são os instrumentos ideais para se aferir o tempo, uma vez que seus períodos orbitais são regulares e eternos e, portanto, podem ser usados para identificar o tempo humano. Por sua vez, em sua obra Física, Aristóteles definiu o tempo como o movimento da matéria e por isso infinito. Foi também o primeiro filósofo a sustentar a ideia subjetiva de tempo, sugerindo que não existe tempo sem alma (RAU, 1953).

TEMPO NA FILOSOFIA MEDIEVAL
Já na era medieval, Agostinho discordou da posição aristotélica de tempo infinito, propondo um princípio para o tempo por meio de uma análise bíblico-cosmológica. Assim, em sua perspectiva Deus seria um ser atemporal e, portanto, o próprio criador do tempo no momento da criação do universo. Por outro lado, Agostinho, como Aristóteles, adotou uma visão subjetiva de tempo, que em si, não é nada na realidade, mas existe apenas na apreensão que a própria mente humana faz dos eventos dessa realidade (AGOSTINHO, 1980).

TEMPO NA FILOSOFIA MODERNA
Partindo para a Era da Razão, duas concepções sobre a filosofia do tempo marcaram esse período, as quais foram caracterizadas como absoluto e relacional (ou também, realismo e anti-realismo). A visão realista, defendida por Newton (entre outros iluministas) foi de que o tempo é parte fundamental da estrutura do universo, podendo, assim, ser entendido como uma dimensão na qual os eventos ocorrem em sequência. Portanto, independentemente de qualquer observador, o tempo existe e pode ser entendido matematicamente (SACHS, 1996). Do outro lado, o grande algoz de Newton – G. Leibniz, afirmou que o tempo é meramente um conceito intelectual humano que nos capacita a sequenciar e comparar os eventos e, assim, o tempo é totalmente dependente da subjetiva relação que há entre ele e os objetos. Em a Crítica da Razão Pura (2015), Kant descreve o tempo (bem como o espaço) como uma noção a priori que é necessária para que possamos compreender as experiências sensitivas. Assim, para ele o tempo também recebe uma perspectiva subjetiva, sendo assim, apenas um elemento da estrutura sistemática que usamos para estruturar nossas experiências.
Na filosofia moderna, o existencialista Martin Heidegger, na importante obra Ser e Tempo (2006), concluiu que nós não existimos dentro do tempo, mas que, de fato, nós somos o tempo. Desta forma, todo conceito de tempo é inseparável da experiência humana. De modo que transitamos pelo tempo através das nossas memórias do passado e expectativas do futuro, as quais dão forma à nossa existência no presente.

TEMPO NA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
No século XX, o artigo do filósofo britânico J. M. E. McTaggart – The Unreality of Time (1908), trouxe um novo parâmetro para a filosofia do tempo. McTaggart argumentou que o tempo é na verdade irreal, por que nossa descrição dele é necessariamente ou contraditória, ou circular ou insuficiente. McTaggart distinguiu duas maneiras de ordenar eventos ou posições no tempo. Primeiro, podendo ser ordenados pela relação ‘antes de’. Esta ordem nos dá uma série, que McTaggart chama de série-B. Uma segunda ordem é imposta designando-se algum momento dentro da série B como o momento presente. Esta segunda ordem nos dá uma série que McTaggart chama de série-A. De acordo com McTaggart, para que o tempo seja real, ambas as séries devem existir, sendo isso improvável, logo, o tempo é irreal. O argumento de McTaggart contra a realidade do tempo tem sido, de longe, o mais influente no estudo do tempo.
Quase no mesmo período, contudo, no campo da física, Albert Einstein, em seus artigos sobre sua teoria da relatividade especial e geral, postulou que há uma profunda conexão entre a gravidade, o espaço e o tempo. De forma que o tempo seria uma dimensão distinta de uma entidade mais básica chamada de espaço-tempo. Deste modo, em tempos mais recentes, diferentes conceitos de tempo se desenvolveram a partir, especialmente, dessas duas últimas concepções (SACHS, 1996).

Assim, as ideias e artigos desenvolvidos nos últimos anos, a respeito da filosofia do tempo, podem ser divididos em três principais teorias: presentismo, passado crescente e eternismo. O presentismo advoga que somente os objetos do presente existem e, portanto, todos aqueles que um dia existiram, mas não mais existem no presente são todos irreais (BOURNE, 2006). A teoria do passado crescente concorda com os presentistas, mas formula que além do presente o passado também é real e está em crescimento constante, uma vez que o presente vai tornando-se passado. O eternalismo sustenta, por sua vez, que tanto passado, presente e futuro são objetos reais. Contudo, o fluxo do tempo que nós sentimos é apenas uma ilusão da consciência, porque o tempo, na verdade, está em toda parte. Tal conceito, formulado com base na teoria da relatividade, frequentemente se refere à teoria do universo bloco, por descrever o espaço-tempo como um bloco quadridimencional invariável (BUNNAG, 2017).

CONCLUSÃO
Resumindo, podemos dizer que há diferentes interpretações sobre a natureza do tempo, discutida desde a antiguidade até os dias atuais. A busca pela realidade do que, de fato, constitui o tempo ainda não chegou a uma definição exata, mas, desde os primórdios da história do pensamento filosófico até hoje, tem evoluído e ampliou-se de tal modo que podemos ter uma compreensão mais consistente e abrangente do que ele é, tanto metafísica quanto fisicamente. Contudo, o estudo ontológico do tempo ainda tem muito para se desenvolver à medida que a ciência tanto quanto a filosofia se desdobram através de novas descobertas, reflexões e considerações sobre a realidade. Até quem sabe, finalmente, saciar, ou não, nossa sede pela compreensão desse misterioso e idiossincrásico elemento da nossa interpretação cosmológica; mas, principalmente usarmos esse conhecimento a nosso favor para que nossa relação com ele seja mais profícua do que tem sido.

REFERÊNCIAS:
AGOSTINHO, Santo. Confissões - De Magistro. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
BOURNE, C. A future for PresentismOxford, UK: Oxford University Press, 2006.
BUNNAG, Anawat. The concept of time in philosophy: A comparative study between Theravada Buddhist and Henri Bergson's concept of time from Thai philosophers' perspectives in Kasetsart Journal of Social Sciences. (Ago., 2017). Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2452315117300140. Acesso em: 19 Nov. 2018.
HEIDDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 10ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2006.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2015.
PLATÃO. Timeu - Crítias. Coimbra, PT: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2011.
RAU, Catherine. Theories of Time in Ancient Philosophy in The Philosophical Review, Vol. 62, No. 4 (Out., 1953), pp. 514-52.
SACHS, Mendel. Changes in concepts of time from Aristotle to Einstein in Astrophysics and Space Science. Vol. 244, Issue 1–2 (Mar., 1996), pp. 269–281.


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